segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Outubro rosa: vida pós-câncer



A vida quer continuar. Ela se curva, se dobra, se alonga, se abaixa e até sobe, ao invés de pender.

Eu não fiz limonada do limão. O limão é azedo e ponto. 

Tudo tem uma lição? Tudo vem pra nos ensinar? Tudo tem seu lado bom? Será?

Chegou outubro e eu preciso falar algo sobre o câncer de mama? Preciso? O câncer me ensinou e agora sou eu que tenho algo a dizer? Será? Será mesmo que sou algum exemplo e que tenho um testemunho para dar?

O câncer, ele não é algo passado. Estou curada e gostaria de nem me lembrar dele, mas ele tá aí ainda. Ainda o estou processando. Falar e escrever sobre ele ajuda nesse processo.

Ele está aqui, nos exames que tive que marcar e que já chegam nesta semana. Está aqui no cuidado a mais que teria que ter com a minha saúde e que não tenho. Ele não é apenas um fantasma. Ele é o meu corpo que carrega cicatrizes e probabilidades.

Mas uma "influencer" do tema "câncer de mama" me fez essa pergunta hoje: "o que é a minha vida pós-câncer"?

Hoje, essas "influencers" me irritam um pouco. Mas, lá atrás, quando ainda não estava cansada de todas essas lições e testemunhos que nós nos damos na internet, quando estava sozinha, com um bebê no colo, na madrugada, amamentando com um seio que em breve seria interrompido, esses testemunhos foram muito importantes pra mim. Ver que as mulheres poderiam sobreviver ao câncer foi crucial. Ver que as mulheres poderiam voltar a ser ativas e belas, inclusive durante o câncer, foi um alento, me trouxe esperança e fé.

Eu colecionei fotos de mulheres de cabelos curtos, carecas, com turbantes, investi em brincões e ressaltei meus olhos. Aprender a usar os lenços foi um desafio, deixá-los foi libertador. Receber olhares na rua me traziam orgulho, ao invés de vergonha. Eu cuidei de mim, como nunca havia cuidado. A possibilidade da morte me fez sentir viva como nunca.

Terminei o tratamento inicial (quimio, rádio, cirurgias) e fiz cinco anos de tratamento hormonal (remédio oral e injeção). Este me deixou na menopausa e eu não via a hora de voltar a produzir meus hormônios. E um dia o tratamento acabou. E os hormônios voltaram e fizeram muita diferença pra mim.

E, depois de 8 anos "pós-câncer", cá estou escrevendo sobre essa experiência mais uma vez. A vida quer continuar. Eu sigo tentando aprender com ela, tentando olhar por diferentes ângulos, tentando viver com esperança. 

Tem gente que faz limonada até com laranja. Eu costumo deixar o limão estragar, seja na fruteira ou na geladeira, mas, de vez em quando, rola uma água com limão no jejum e até um ceviche. Cada um faz o que pode com o limão que a vida dá.  E não sei dizer se tá tudo bem...

A vida não tem filtro como no "Instagram". Ela é o que é. Ela é foda e bonita. Ela é complexa e simples. E eu estou cansada desse mercado que inventamos em que produzimos e consumimos dicas, ensinamentos e testemunhos, embalados com bastante plástico.

Eu não sei dizer se estou melhor ou pior após a experiência do câncer. Preferia não ter passado por ele, é claro. Mas ele passou por mim e eu continuei. E continuo. A minha experiência foi a minha experiência. Olhar para a experiência do outro às vezes ajuda sim, mas também pode atrapalhar, principalmente quando essa experiência foi maquiada e embalada para o consumo. 

quinta-feira, 9 de março de 2023

Dia Internacional da Mulher



Nasci numa família "atípica". Meus pais, primos de primeiro grau, tiveram dois filhos (gêmeos) e, logo em seguida, cometeram a grata falta de juízo em me trazer também ao mundo. Meus irmãos nasceram bem prematuros. Ao André faltou desenvolver um pouco mais os pulmões, o que o rendeu uma vida de 32 anos sem poder andar ou falar. Ao Fábio, um inesperado e raro fenômeno genético o carimbou com uma síndrome, que o fez, mais tarde, não enxergar. Mas André desfrutava a música como ninguém e se comunicava através do corpo, das expressões faciais, do sorriso e, principalmente, do olhar. E Fábio não só fala e canta bem, como escuta muito bem. Entende bem o que está acontecendo ao seu redor, usando a sua excelente antena parabólica. Reconhece a quilômetros de distância o som de um pacote de biscoito se abrindo ou do girar da tampa de uma garrafa de refrigerante! Na pandemia, começou a ouvir livros na "Alexa", o que se tornou o seu novo e preferido "hobby". Graças a esta amiga, já pôde ler mais de duzentos livros. 

Antigamente, não dizia que meus irmãos eram "atípicos". Os termos eram outros. Foram e vão mudando com o tempo. A ideia, que historicamente evoluiu para melhor, foi a de que eles precisam ser reconhecidos como pessoas que são, que precisamos olhar também para as suas capacidades e atacar as deficiências e as faltas da sociedade. Voltando aos termos, antes, dizia que meus irmãos não eram "normais", que tinham "problema", que eram "especiais". Sobre minha mãe, dizíamos que era "guerreira". Teria um mundo de coisas pra falar sobre esse ponto, com outras perspectivas, mas vou ao que me interessa agora, com um olhar mais terno: o afeto feminino.

Nasci e cresci mergulhada neste rio de afeto. O cuidado da minha mãe (e das cuidadoras do meu irmão) conosco. E, também, o meu cuidado com os meus irmãos. Amava cuidar e me sentia honrada por ser a irmã deles.

No ano em que o André morreu, mergulhei por outras águas deste afeto. Com a Nina e com o câncer, aprendi ainda mais a cuidar e a ser cuidada. E, neste momento, minha mãe e a cuidadora do meu irmão cuidaram de mim e da Nina, ao mesmo tempo.

Ontem, dia 08 de março, foi o Dia Internacional da Mulher. Tive um dia bem cansativo. Alguns imprevistos no trabalho e tive a sorte de receber a ajuda da minha sogra e cunhada, com a Nina. Elas já vão embora na semana que vem - voltam para o Peru - e sentirei saudades de toda a ajuda que me deram nesses dias. No meio da confusão, ontem, pensei um pouco no "cuidado feminino" na minha vida. E acho que seria muito bom se pensássemos mais (e com mais cuidado) sobre esse cuidado, nas nossas vidas.