segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Outubro rosa: vida pós-câncer



A vida quer continuar. Ela se curva, se dobra, se alonga, se abaixa e até sobe, ao invés de pender.

Eu não fiz limonada do limão. O limão é azedo e ponto. 

Tudo tem uma lição? Tudo vem pra nos ensinar? Tudo tem seu lado bom? Será?

Chegou outubro e eu preciso falar algo sobre o câncer de mama? Preciso? O câncer me ensinou e agora sou eu que tenho algo a dizer? Será? Será mesmo que sou algum exemplo e que tenho um testemunho para dar?

O câncer, ele não é algo passado. Estou curada e gostaria de nem me lembrar dele, mas ele tá aí ainda. Ainda o estou processando. Falar e escrever sobre ele ajuda nesse processo.

Ele está aqui, nos exames que tive que marcar e que já chegam nesta semana. Está aqui no cuidado a mais que teria que ter com a minha saúde e que não tenho. Ele não é apenas um fantasma. Ele é o meu corpo que carrega cicatrizes e probabilidades.

Mas uma "influencer" do tema "câncer de mama" me fez essa pergunta hoje: "o que é a minha vida pós-câncer"?

Hoje, essas "influencers" me irritam um pouco. Mas, lá atrás, quando ainda não estava cansada de todas essas lições e testemunhos que nós nos damos na internet, quando estava sozinha, com um bebê no colo, na madrugada, amamentando com um seio que em breve seria interrompido, esses testemunhos foram muito importantes pra mim. Ver que as mulheres poderiam sobreviver ao câncer foi crucial. Ver que as mulheres poderiam voltar a ser ativas e belas, inclusive durante o câncer, foi um alento, me trouxe esperança e fé.

Eu colecionei fotos de mulheres de cabelos curtos, carecas, com turbantes, investi em brincões e ressaltei meus olhos. Aprender a usar os lenços foi um desafio, deixá-los foi libertador. Receber olhares na rua me traziam orgulho, ao invés de vergonha. Eu cuidei de mim, como nunca havia cuidado. A possibilidade da morte me fez sentir viva como nunca.

Terminei o tratamento inicial (quimio, rádio, cirurgias) e fiz cinco anos de tratamento hormonal (remédio oral e injeção). Este me deixou na menopausa e eu não via a hora de voltar a produzir meus hormônios. E um dia o tratamento acabou. E os hormônios voltaram e fizeram muita diferença pra mim.

E, depois de 8 anos "pós-câncer", cá estou escrevendo sobre essa experiência mais uma vez. A vida quer continuar. Eu sigo tentando aprender com ela, tentando olhar por diferentes ângulos, tentando viver com esperança. 

Tem gente que faz limonada até com laranja. Eu costumo deixar o limão estragar, seja na fruteira ou na geladeira, mas, de vez em quando, rola uma água com limão no jejum e até um ceviche. Cada um faz o que pode com o limão que a vida dá.  E não sei dizer se tá tudo bem...

A vida não tem filtro como no "Instagram". Ela é o que é. Ela é foda e bonita. Ela é complexa e simples. E eu estou cansada desse mercado que inventamos em que produzimos e consumimos dicas, ensinamentos e testemunhos, embalados com bastante plástico.

Eu não sei dizer se estou melhor ou pior após a experiência do câncer. Preferia não ter passado por ele, é claro. Mas ele passou por mim e eu continuei. E continuo. A minha experiência foi a minha experiência. Olhar para a experiência do outro às vezes ajuda sim, mas também pode atrapalhar, principalmente quando essa experiência foi maquiada e embalada para o consumo. 

quinta-feira, 9 de março de 2023

Dia Internacional da Mulher



Nasci numa família "atípica". Meus pais, primos de primeiro grau, tiveram dois filhos (gêmeos) e, logo em seguida, cometeram a grata falta de juízo em me trazer também ao mundo. Meus irmãos nasceram bem prematuros. Ao André faltou desenvolver um pouco mais os pulmões, o que o rendeu uma vida de 32 anos sem poder andar ou falar. Ao Fábio, um inesperado e raro fenômeno genético o carimbou com uma síndrome, que o fez, mais tarde, não enxergar. Mas André desfrutava a música como ninguém e se comunicava através do corpo, das expressões faciais, do sorriso e, principalmente, do olhar. E Fábio não só fala e canta bem, como escuta muito bem. Entende bem o que está acontecendo ao seu redor, usando a sua excelente antena parabólica. Reconhece a quilômetros de distância o som de um pacote de biscoito se abrindo ou do girar da tampa de uma garrafa de refrigerante! Na pandemia, começou a ouvir livros na "Alexa", o que se tornou o seu novo e preferido "hobby". Graças a esta amiga, já pôde ler mais de duzentos livros. 

Antigamente, não dizia que meus irmãos eram "atípicos". Os termos eram outros. Foram e vão mudando com o tempo. A ideia, que historicamente evoluiu para melhor, foi a de que eles precisam ser reconhecidos como pessoas que são, que precisamos olhar também para as suas capacidades e atacar as deficiências e as faltas da sociedade. Voltando aos termos, antes, dizia que meus irmãos não eram "normais", que tinham "problema", que eram "especiais". Sobre minha mãe, dizíamos que era "guerreira". Teria um mundo de coisas pra falar sobre esse ponto, com outras perspectivas, mas vou ao que me interessa agora, com um olhar mais terno: o afeto feminino.

Nasci e cresci mergulhada neste rio de afeto. O cuidado da minha mãe (e das cuidadoras do meu irmão) conosco. E, também, o meu cuidado com os meus irmãos. Amava cuidar e me sentia honrada por ser a irmã deles.

No ano em que o André morreu, mergulhei por outras águas deste afeto. Com a Nina e com o câncer, aprendi ainda mais a cuidar e a ser cuidada. E, neste momento, minha mãe e a cuidadora do meu irmão cuidaram de mim e da Nina, ao mesmo tempo.

Ontem, dia 08 de março, foi o Dia Internacional da Mulher. Tive um dia bem cansativo. Alguns imprevistos no trabalho e tive a sorte de receber a ajuda da minha sogra e cunhada, com a Nina. Elas já vão embora na semana que vem - voltam para o Peru - e sentirei saudades de toda a ajuda que me deram nesses dias. No meio da confusão, ontem, pensei um pouco no "cuidado feminino" na minha vida. E acho que seria muito bom se pensássemos mais (e com mais cuidado) sobre esse cuidado, nas nossas vidas.   

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Mãe-de-Milhares



Essa planta já estava no "jardim" daqui de casa, quando nos mudamos. Eu deixei ela lá e as outras também e plantei outras e outras  nasceram e se reproduziram sei lá como. Sementes que vieram na terra que jogamos lá? Que vieram com os passarinhos que fazem da nossa varanda um ponto de parada, pra descansar, olhar, ponderar, conversar, brigar, fazer xixi e cocô? Eu gosto de fazer do jardim uma espécie de laboratório, um laboratório científico-filosófico. E, observando essa planta, me dei conta dessas mini plantinhas penduradas nela. Me dei conta que são seus filhos e que ela é uma mãezona. E, observando mais atentamente, notamos que embaixo dela uma filha criou suas raízes. Que legal! As plantinhas filhotes caem, algumas longe (como?), outras perto, e algumas vão pra frente e outras não. Comecei a chamar essa planta de mamãe, mas Nollan disse que podia ser um pai. Bom, não sei se essa pergunta faz sentido, no caso desta planta, mas descobri no Google que o nome dela é "Mãe-de-Milhares" e que ela é uma planta medicinal, de cura, mas que também é tóxica. E eu estou numa grande viagem em que tudo se conecta e faz sentido. Essa plantinha que ficou embaixo da mãe, perto, a sua sombra, será que ela vai pra frente? Enfim, o quanto devemos prender, segurar, controlar os nossos filhos? O quanto devemos soltar? Até onde o nosso amor cura? Quando começamos a ser tóxicas? Quando o nosso amor aniquila os nossos filhos? Nina quer ficar mais tempo com a avó. Está gostando da "folga". E eu estou conseguindo parar, digerir e até escrever um pouco. Essa separação sempre trouxe sentimentos contraditórios. Ela traz um medo do abandono, uma perda de amor à espreita, por um lado, e um sentimento de liberdade e de possibilidade de florescimento, por outro. Para a mãe e para a filha. É uma separação natural e importante. É um ensaio de uma separação maior, é mais um passo de distância. E o retorno? Como se dá esse retorno? Como se dará? Terá sentimento de culpa? Terá cobrança, chantagem emocional? Medo de rejeição? Medo da aniquilação materna/paterna? Como fazer para que esse movimento todo aconteça em uma espécie de espiral ou espirais? Como fazer com que o crescimento dos nossos filhos seja menos doloroso para todos?

Sobre filmes e mães

      
Geralmente, quando estou com a Nina, minha filha, não consigo ver filmes (a não ser os de criança). Aí, quando estou sem ela, tento tirar o atraso. Tentamos, eu e Nollan. Principalmente quando queremos procrastinar. E, nesse feriado, em que estive presa em casa com COVID e tendo que arrumar o quartinho da bagunça, assistimos a três filmes! E, por coincidência (ou não), os três eram sobre parentalidade, enfocando na relação mãe-filho.

O primeiro filme foi "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", seguido de "Pequena mamãe" e "Sempre em frente", tendo sido este último o nosso preferido. Nos três, o foco está na relação mãe e filho, em uma mãe distante, ferida pela distância e carência na sua experiência como filha, que tenta seguir em frente e cuidar como pode, reproduzindo, em certa medida, essa distância inicial. Ao longo dos filmes, as mães se afastam, buscando alguma cura, enquanto os filhos, na dolorosa falta e busca pelas mães, tentam também encontrar o seu próprio caminho, a superação e o crescimento, através da sua relação com o mundo e outras pessoas. Ao longo dos filmes, cada indivíduo se transforma e a relação entre mãe e filha (o) também, bem como entre outros familiares, como o avô e o marido/pai de "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" e as avós recentemente falecidas nos outros dois filmes.

Apesar das suas diferenças, só consigo pensar agora nas suas familiaridades. Quem é essa mãe? Uma mãe sobrecarregada, que é também uma filha, uma mulher, para além da maternidade, mas que, embora esteja perdida, cansada, alienada de si, precisa continuar cuidando. Mesmo sem saber como fazê-lo, apenas continua fazendo.  Até que chega uma hora em que precisa se distanciar do filho. E as três mães dos filmes (assim como no filme "A filha perdida"), no final das contas, acabam retornando.

Parece até que escolhi os filmes pela temática. Mas nem fui eu que escolhi! Nenhum deles (nem "A filha perdida")! Apenas topei assistir com o Nollan, sem nem saber direito sobre o que se tratavam. E achei interessante a coincidência, não só em relação ao tema dos filmes, como também pelo fato de estar afastada da Nina nesses dias e por toda a identificação que rolou. Tanto a digerir, que somente escrevendo e escrevendo mais para poder amarrar melhor e a curar mais também. Terá, no entanto, que ficar para outro momento. Agora preciso dormir, para amanhã voltar ao quartinho da bagunça e preparar o retorno da Nina.



Lá em Chochô é tudo ao contrário


Você já ouviu falar no planeta Chochô (se fala "tchô tchô", porque é uma palavra em espanhol)? Lá é tudo ao contrário. Existe até uma musiquinha sobre esse planeta, não sei se já ouviu. É mais ou menos assim (não sei como escrever a melodia, pois não sei nada de teoria musical, mas você também não deve saber. Ah, sim, é a mesma melodia da abertura do desenho "Peppa Pig"): 

"Lá em Chochô/ É tudo ao contrário/ Lá em Chochô/ Eu me chamo Zé/ Lá em Chochô, chuto com a cabeça/ Lá em Chochô, penso com os pés"

Conseguiu cantar?

Bom, em Chochô, os adultos são crianças e vice-versa, e existem uns animais bem divertidos, tipo "borboleta-dinossauro". É, esse tem um nome até engraçado, mas não é nada divertido. Na verdade, a "borboleta-dinossauro" é um ser bem assustador. Imagine uma borboleta do tamanho de um dinossauro bem grande. Eu sei que você nunca viu um dinossauro, nem grande, nem pequeno (e nem eu), mas tente imaginar... Agora imagine bracinhos curtos e uma cauda grande, como de um tiranossauro. E, claro, um rugido como de um tiranossauro. E, sim, embora seja enorme, a borboleta-dinossauro consegue voar, não só por causa do seu formato, mas também porque lá não tem a mesma gravidade que aqui. Tem razão, Chochô pode ser bem perigoso. Na realidade, eu não o conheço pessoalmente. Acho bem curioso, mas não sei se teria coragem de visitá-lo. Você teria?

Uma curiosidade bem curiosa é a língua deles. Mamãe é "Mapu", papai é "Chauenky" ("tchauenqui"), filha é "Rapu", vovó é "Mapu-mapu" e te amo muito é "faifi ráicon". Mas isso é quando eles querem desdizer, porque quando querem dizer, na verdade, eles desdizem. Eu ficaria completamente perdida em Chochô! Por falar nisso, as placas de lá servem mesmo é para desorientar a gente! Pode imaginar?

De qualquer forma, acho muito difícil que a gente um dia consiga ir até lá! Chochô fica bem longe da Terra! Fica longe mesmo! Tão longe, mas tão longe, que a minha filha me dizia que me amava daqui até Chochô, ida e volta! E, se tem alguém nesse mundo que conhece Chochô, esse alguém é ela!   



terça-feira, 11 de janeiro de 2022

a filha perdida

Acabei de ver esse filme, mas não sei se quero falar sobre ele ou sobre o sentimento ou apenas gostaria de escrever o que viesse à mente. O filme foi angustiante, um pouco aterrorizante. Fala de maternidade, de paternidade, sobre abandono, sobre filhos, sobre crianças, sobre meninas fofas e meninas chatas, sobre choro, sobre loucura, sobre estar à beira da loucura, sobre o medo de surtar, sobre o surto, sobre culpa, medo, sexo, sobre mulher... a filha perdida, quem era? A personagem principal, quando criança, representada pela boneca? Quantas coisas poderíamos falar a partir do filme? Mas, sim, me identifiquei com a mãe, com diversas questões. Teve um momento em que o marido insiste em dar uma comida pra ela. No início ela não quer, mas, com a insistência dele, ela acaba aceitando, mas com certa revolta, porque ele não vê o seu desejo, ele não a vê. Me identifiquei com essa cena também. A busca compulsiva das filhas pelas mães, principalmente quando estas precisam ficar sozinhas e não estão conseguindo dar atenção. Um ciclo vicioso. Já passei por isso também. Já me senti sádica, má, ao não conseguir atender a minha filha. A boneca é assombrosa, assustadora. É o passado? É o inconsciente? É aquele quartinho da bagunça, o sótão, em que enfiamos coisas que não queremos mais ver, mas também que não conseguimos jogar fora? Da boneca sai uma gosma, sai uma minhoca... o que representa? Num primeiro momento, pensei na experiência intensa que temos com o bebê mesmo, que baba, vomita, caga, mija... mas e a minhoca saindo da boca? É o terror? É a morte? O terror pela morte da mãe? Pelo abandono? O terror por morrer? Por não dar conta de cuidar de alguém tão vulnerável, quando também se é vulnerável? É o desejo pela morte, é a morte simbólica, é a morte em si? Pois o filme fala também sobre o envelhecer. A mulher "velha" (48 anos) observando a mulher jovem, lembrando de sua juventude, agora como espectadora apenas, e que sente inveja, ressentimento, frustração, raiva, que quer descontar esse sentimento em alguém. Mais uma vez a invisibilidade, mas, antes, na juventude, ao menos as filhas a desejavam. Tanta coisa poderia sair daqui, de mim. Não sobre o filme, mas sobre mim, sobre esse assunto. Mas tô com sono e, ao mesmo tempo, é como se não tivesse nada para falar, um vazio bem grande.

sábado, 6 de junho de 2020

Imaginação e criatividade éticas



Nina, minha filha de quase 5 anos, adora um “e se…”. “E se todos os personagens de todos os desenhos e filmes aparecessem aqui na nossa casa?” “E se a casa fosse toda feita de doce, que parte da casa você ia comer?” “E se eu fosse filha do vovô e vovó, quem iam ser meus avós?” “E se…”

Testar possibilidades usando a imaginação é uma capacidade que deveríamos desenvolver nos nossos filhos e na gente mesmo…

E se o nosso mundo fosse justo? E se cuidássemos uns dos outros? E se tivesse trabalho para todos e todos pudessem trabalhar menos e ter mais tempo para curtir, brincar, estar com o outro? E se não houvesse fronteiras entre países? E se os povos cooperassem uns com os outros ao invés de tentarem dominar, explorar e competir? E se a vida de cada ser humano tivesse o mesmo valor? E se todos pudessem ter uma terra pra plantar e uma casa pra morar? E se as pessoas e os povos conseguissem resolver os seus conflitos com respeito? E se as pessoas não tentassem impor a sua verdade ao outro? E se o ser humano se visse como parte da natureza? E se não houvesse pobreza? E se não houvesse ganância? Essas possibilidades são revolucionárias, mas estão muito dentro da caixinha ainda, porque não aprendi a usar a minha imaginação...  

E se não houvesse nem família nem Estado, nem nação, apenas comunidades? E se cada ser humano que nascesse fosse responsabilidade da comunidade? E se cada idoso fosse cuidado pela comunidade? E se não existisse mais dinheiro e as pessoas e as comunidades trocassem serviços e produtos? Mas essas possibilidades ainda continuam dentro da caixinha… Quais ideias poderíamos pegar da época anterior ao capitalismo? Como poderíamos construir um novo mundo com base na solidariedade e reciprocidade? Precisamos aprender uns com os outros (com as diferentes culturas) e usar a nossa imaginação e criatividade, para ir construindo essas alternativas. 

Precisamos mesmo aprender a usar a nossa imaginação e criatividade, mas de nada adiantará se não aprendermos também a ser éticos.

Jun 2020.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

La vida nos da sorpresas...


"la vida te da sorpresas, sorpresas te da la vida, ay, dios"

Não sei o que acontece, mas as "sorpresas" parecem ter virado uma constante nos últimos anos...

Em abril de 2015, grávida, no segundo trimestre da gestação, após passar um feriado prolongado com meus pais e irmãos na casa de Itaipuaçu, descubro, já em casa, numa segunda pela manhã, que meus pais haviam levado meu irmão ao hospital durante a madrugada e que ele teria que tirar os seus dentes de cima. Meu irmão ficaria sem o seu sorriso característico e eu não poderia visitá-lo no hospital. Após dias internado, pude, finalmente, visitá-lo no domingo do dia das mães. Ele estava bem, já no quarto, e minha vontade era fugir com ele de lá. Em dois, três dias, ele piorou e morreu de choque séptico.

Durante o nosso luto, nos distraímos fazendo o enxoval e o chá de bebê da minha filha e, nesse período, descobri uma íngua na axila e um caroço na mama esquerda. O médico me disse que era comum na gestação, mas só por desencargo, pediu uma ultra, que fui fazer apenas quando examinar o "caroço" tornou-se urgente, no final da gravidez. Lá fui eu sozinha de ônibus, barrigudona, fazer uma ultra na Barra da Tijuca, que era onde tinha data disponível... E lá minha vida já começou a ficar um tanto diferente... 

Resumindo bem a história, na semana seguinte, num dia descobri que estava mesmo com câncer de mama e, no outro, a Nina teve que nascer por cesárea. E após algumas buscas e consultas médicas, chegamos a conclusão que eu faria quimioterapia e cirurgia, mas que até o plano liberar o tratamento, poderia ter o gostinho de amamentar minha filha. Saindo do hospital, tive que ir morar com meus pais e tudo aconteceu bem diferente dos tantos planos feitos durante a gestação. Nesse período, precisei ficar de licença médica no trabalho e pude curtir bastante minha filha, apesar das dificuldades inesperadas. Foi na casa dos meus pais, nesse momento caótico e intenso da minha vida, em que ouvi o barulho das panelas e acompanhei, sofrendo, o impeachment da Dilma. 

Em janeiro de 2017, voltamos para nossa casa, Nina entrou para a escola, eu voltei a trabalhar e no final do ano passei para o mestrado em direito na UFRJ, que começaria no ano seguinte. As coisas estavam caminhando e eu tentando voltar aos eixos, até que chegou 2018 e o inimaginável aconteceu... Bolsonaro não apenas se candidatou, como foi eleito, depois de muitas brigas, decepções e sofrimento.

2019 foi o ano que se arrastou... Era o Bolsonaro que continuava lá e se superando a cada dia, e minha dissertação que não andava. Ao final do ano, tive que procurar uma nova casa às pressas e não consegui terminar o mestrado antes das férias escolares da Nina, como idealizado. Bati muita cabeça com esse trabalho nesse período, de dezembro a fevereiro. E quando ela voltou às aulas e eu pensei que conseguiria por fim terminar a dissertação, que já estava me deixando surtada, e que eu teria um ano de alívio e comemorações (incluindo os 5 anos sem recidiva do câncer), tivemos a surpresa ainda mais infeliz que a infeliz surpresa de 2018: a pandemia do COVID-19 (e ainda no "desgoverno" do você sabe quem)! 

Com a quarentena, Nina fica sem escola por tempo indeterminado e as atividades da UFRJ também são suspensas sabe-se lá até quando. Com a dissertação em mente e sem saber a dimensão que tomaria tudo, fizemos nossas malas e fomos (eu, Nina, Nollan e Vanina, que não pôde voltar para o Peru) para a casa dos meus pais em Itaipuaçu, quase cinco anos depois daquele feriadão de abril de 2015.

O clima aqui é quase de "fim do mundo", nos isolando totalmente, estocando comida. Meu pai, considerando as piores previsões, pede que todos saibamos fazer tudo na casa e estamos tentando dividir tarefas, além dos cuidados com a Nina.

Estou me lembrando muito do período em que comecei o tratamento do câncer na casa dos meus pais, tendo que respirar fundo e tentando não pensar no futuro e nos piores cenários. Ainda tenho que tratar o câncer no Rio ou em Niterói e talvez tenha que sair do isolamento e não sei se poderemos voltar. Aqui está muito difícil de terminar minha dissertação, com o estresse e angústia do momento e outras questões que me dificultam a concentração. 

O COVID-19 parece trazer ainda muitas surpresas para esse ano para todos, do país e do mundo... Espero, com todo estoque de otimismo que me resta, que junto com as surpresas lamentáveis que nem quero pensar, também traga surpresas alegres e revolucionárias (no bom sentido).

Pelo menos para a Nina o coronavírus tem sido algo positivo, pois está na "casa da Chiquita e do Bacana", que ela tanto gosta, com toda família, sem ir para a escola, fez uma amiga nova (a Maria Isabel, de 10 anos), que passa o dia com ela, e, hoje, dia primeiro de abril, aprendeu a nadar e está toda feliz! 💗

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

2012



Para meu espanto, o mundo de fato acabou em 2012, mas não exatamente como pensavam. Fomos morrendo, todos, aos poucos, ao longo do ano, de modo que no dia primeiro de janeiro de 2013 não havia mais humanos na Terra.

Morri em meados do ano e, para minha alegria, não vi meus parentes mais próximos partirem. Os médicos não identificaram a causa da minha morte; até porque, causa não houve; não sabendo do que morrer, simplesmente morri.

E vendo que morta estava, fui em busca da luz branca. Olhei, porém, para um e outro lado, e somente breu consegui ver. E o silêncio era tanto que me doía o ouvido. Será este o céu que guardaram pra mim? De medo, fui encolhendo, encolhendo, até me deitar curvada, como um caracol.

 De repente, comecei a ouvir um som distante, que estava do lado de fora da concha. E tive que me despir. Algo existia além de mim e isso me deixou eufórica, a ponto de me desenrolar e me manter de pé. Queria seguir o som, mas de que lado ele estava?

Aos poucos, o som tornou-se mais alto e claro e pude distinguir diferentes sons, que, para meu azar, vinham de diferentes lugares. Consegui perceber o som de dezenas de instrumentos, como o agogô, a flauta transversa, o pandeiro, o atabaque, o piano, o bandolim, a sanfona, o violino, o "cajón", mas a maior parte dos sons não pude identificar. Mas isso não importava. Estava diante de uma incrível orquestra e sua música era a mais linda e contagiante de todas as que tinha ouvido até então. E comecei a dançar como uma borboleta e voei em direção à orquestra.

No entanto, conforme ia voando, menos sons conseguia ouvir, pois, embora me aproximasse de alguns, afastava-me de outros. E o medo foi voltando e minhas asas começaram a pesar. Queria aquela música do começo, que me trouxe uma emoção e uma segurança nunca antes sentida. E tentei voar para trás, mas o vento não me deixou. Teria que seguir as correntes de ar e elas não corriam no sentido inverso. Mas em qual corrente entraria? De quais sons abriria mão?

O medo da perda e do desconhecido foi pesando minhas asas e não consegui acompanhar corrente alguma. E caí. E novamente me fiz caracol. E de dentro da concha, o som foi se tornando baixo, baixo, até que, num silêncio, escuridão e tristeza profunda, deixei-me quebrar em trilhões de pedaços e, tornando-me pó, dissolvi-me no nada.            

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Bukowskiando



Jesús homem-mosca

Tudo depende qual lente
queremos usar
Sempre limitada
E turva
E sua...
Mas podemos trocar
Sempre escolher
os olhos com que vamos ver

E, então, por que
os morcegos voam
no ar dos beija-flores
que não atraem os pássaros
que não encontram seus ninhos
e na calorosa multidão
andamos todos sozinhos?

O pudim na boca
amarga e espeta
A noite rouba
o céu do dia
A calma inquieta
O afago arde
E o riso não contagia

A lágrima pesa
o universo
o infinito
O espelho tão feio
está sempre quebrado
Chinelo virado
O gole,
precipitado

Porque a sorte
é sempre do outro
que calçado caminha ao brinde da vida
Enquanto Eu?
Caminho à merda
Quando as moscas virão me salvar

E então tomo um banho gelado
Mais uns tragos de alegrias
Busco um sofá
pra encostar
E, enfim,
no fundo
percebo o messias


Abr/ 09

terça-feira, 1 de maio de 2012

Minha tribo sou eu



Outro dia uma senhora que disse gostar muito de mim me perguntou toda alegre: “você é católica, né?!” Eu respondi, sorrindo: “não.” Ainda com esperança, perguntou de novo: “então é espírita?!” Minha resposta, sustentando o sorriso: “não.” Ela, então, começou a rir: “é à-tôa?” Achei graça do trocadilho e: “não tenho religião”. E ela: “não tem problema...”

Embora tenha dito que não tinha problema, no fundo, deve ter ficado desapontada. Muitos ficam. Alguns ficam com pena. Alguns com a esperança de que um dia eu acredite em Deus.

Não importa qual religião eu tenha, o importante é ter alguma. Ou pelo menos acreditar em Deus. Tanto faz o Deus.  Pode ser uma figura paterna, materna, pode ser muitos, pode ser a energia do universo, pode ser o diabo a quatro...

Bom, se não acredito em Deus, então eu sou ateia, né? Posso não acreditar, mas tenho que ter alguma ligação com ele, nem que seja de negação.

Mas como posso negar um conceito tão aberto assim? Se Deus pode ser qualquer coisa, qualquer conceito já formulado ou a ser formulado, como posso negá-lo?

Em relação a determinados conceitos, nego tranquilamente. Assim, sou ateia em relação ao Deus católico, ao evangélico, ao espírita...

Já em relação ao conceito mais amplo - “Deus é uma força superior” – como vou negar? Com tantas e tantas e TANTAS coisas que ignoro da realidade, não tenho condições pra negar algo assim.

Agora, se ser ateia é dizer que Deus é um conceito que não considero na minha visão de mundo, no meu dia-a-dia, então sou ateia. Mas posso ser também agnóstica, ignóstica, o que acharem melhor. Tanto faz. Realmente não sei que diferença vai fazer na minha vida tal categorização...

Bom, categorizar é inerente a nossa mente. Mas essas caixinhas que muitas vezes nos tentam encaixar às vezes incomodam, principalmente quando há ignorância e preconceito. Em relação à religiosidade, não me sinto confortável em caixinha nenhuma e realmente não vejo problema nisso.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Que gostaria você de sonhar esta noite?



É o que me pergunta Cecília Meireles, convidada desta noite a dormir na cabeceira.

O dia é a coleira que nos abraça até que o sono nos liberta, com condições...

“Corra, voe, dance, brinque, dê pirueta no mundo! Vá, mas volte logo, sem que ninguém a veja! (E nada de fotos, nem filmes!) Quando voltar, levante apressada e não dê brecha pra consciência... Vai que na noite, nesses sonhos sem sentido, ela descobre um novo sentido pros dias?!”

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Raulzito e o 7 de setembro


Saber o que é “ouro de tolo” não é um problema. Basta colocar no Google. O difícil talvez seja entender o que o Raul Seixas disse nessa música, mais precisamente na estrofe:

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...

Não sei qual droga ele usou pra escrever isso, mas não importa, ele parece ter dito algo que me interessou...

Hoje, 7 de setembro, eu, a personagem de Em outra galáxia, volto a visitar o planetinha azul. Antes de chegar, lá do alto, procuro ver aquelas divisões sobre as quais havia lido na minha pesquisa. Eis que não vejo nada, nenhuma linha, nenhuma cerca...

Desço novamente no tal país barulhento e descubro que é dia da independência do Brasil, que levanta suas bandeiras em comemoração. E surgiu a dúvida: que graça tem ser independente? No meu planeta, o barato é estar juntinho, é ser um só.

Bom, pensei, e se os terráqueos têm tanta mania com esse negócio de bandeira, eles devem ter uma pro planeta também. Curiosa pra ver se eles carregavam alguma bandeira assim, dei uma volta pelos países e nada...

Resolvo voltar logo pra minha casa, pra tentar pensar no que tinha visto. Parece que os humanos buscam segurança e conforto se separando, se dividindo. Será que se eles se vissem de onde os vejo, perceberiam que são todos uma coisa só e que essa idéia de “nação” é um conceito limitado?

Neste dia 7 de setembro, levanto, então, a bandeira do planetinha azul e digo: “salve Raulzito!”

(OBS: Esse post faz referência a outro: Em outra galáxia  

terça-feira, 21 de junho de 2011

No cume calmo do meu olho que vê


"Eu devia estar contente/ Por ter conseguido/ Tudo o que eu quis/ Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado... (...) Eu que não me sento/ No trono de um apartamento/ Com a boca escancarada/ Cheia de dentes/ Esperando a morte chegar..." Raul Seixas


O que Raulzito e Darwin têm em comum? Ambos, depois de baterem as botas, passaram uma temporada no umbral. Não sou espírita, mas assisti ao filme “Nosso Lar”, e tive a impressão de que aqueles que não se adaptam muito bem à vida na Terra acabam passando por lá. De qualquer forma, esses ilustres homens sofreram nas suas passagens por aqui, porque eram uns desajustados. Como eles, existem milhares, inadaptados, incompreendidos... Ainda mais agora, em que depressão, síndrome do pânico, terapia e fluoxetina foram democratizados.

Esse assunto já está batido, afinal, sofrimento, tristeza, melancolia e inadaptação estão aí há tempos. Desses sentimentos se alimentaram muitos pintores, compositores, escritores, poetas, filósofos, cientistas e políticos. O problema é que hoje, mais do que nunca (dizem), temos que ser felizes sempre e, mais, mostrar a todos essa nossa felicidade. Cobrança desumana: é humanamente impossível estar sempre alegre e satisfeito; não ser ou estar feliz causa ainda mais dor.

Apesar de batido, esse tema ainda dá pano pra manga. Qual a diferença entre felicidade e alegria; introspecção e melancolia; entre tristeza e depressão; amargura e indignação? Qual a diferença entre ser realista ou pessimista; crítico ou chato? Por que consideramos defeito o que não produz prazer?

A dor incomoda e sempre incomodou, mas a sua utilidade vai além dos poemas, dos sambas e boleros. A insatisfação gera mudança, ou pelo menos tenta gerar e, com isso, a Terra segue girando. A introspecção faz a gente parar, ponderar, criar. Os críticos são chatos, mas têm sua serventia! Colocam o dedo na ferida, fazem a gente pensar. O pessimista nos mostra o outro lado, coloca nossos pés mais próximos do chão (pena que às vezes erra a mão e nos enterra...).

Diferenciar e respeitar esses sentimentos ou características é igualmente importante. Ajuda a gente a se conhecer melhor, a se aceitar mais, a tentar controlar nossos excessos e, quem sabe, a direcionar nosso incômodo à ação e à mudança.  

Vendo “Nosso Lar”, entendi também que o umbral é onde começam o auto-conhecimento, o perdão, a aceitação. Mas pra que esperar partir?

E apesar de Darwin ter concluído que quem não se adapta dança e que o legal é se adaptar, o que seria de nós, humanos, sem os inquietos e polêmicos desajustados?

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A preguiça; as viagens

O meu blog sofre do transtorno de personalidade múltipla. De uma forma ou de outra, os dois nomes ("Conversa Fora" ou "Abrobrinha") me dão a liberdade de escrever mais ou menos o que penso. No entanto, agora que divulguei o blog, estão querendo me censurar! Querem jogar a minha escrita no liquidificador e fazer um suflê de legumes! Tudo porque o blog está mostrando que eu, no fundo, sou um pouco doida. Mas isso eu não aceito! Eu entendo a birutice de tanta gente, inclusive daqueles que tentam me calar, por que é que não vão aceitar a minha? Enfim, vou aderir à causa da União do Vegetal e continuar falando minhas abobrinhas!  

Bem, se sou louca, é bem provável que minha loucura seja de família. Não citarei nomes, em respeito, lógico, aos meus pais, avós e tios, e também porque isso me custaria muitas linhas. Além da maluquice, herdei também muitas outras coisas, como, por exemplo, a gula e a preguiça. Gulosa e preguiçosa assumida, tenho guerreado faz tempo contra esse meu impulso pecador. Tô tentando apelar pra reeducação alimentar e até tô conseguindo avançar um pouco, já fui bem mais gulosa, mas a preguiça...    

Essa sim é teimosa! Não quer largar do meu pé nem por decreto! Faça chuva, faça sol, calor ou frio, ela não me deixa! Ainda não conheci remédio milagroso pra combatê-la. Será que existe? Dizem que exercício físico dá mais disposição, mas e a preguiça? 

Por preguiça, deixo de fazer ou adio um bucado de coisas. Ela é mesmo um atraso de vida. Poderia enumerar milhares de desvantagens, mas escolhi dar-lhe um pequeno crédito: graças a minha preguiça, sobrou-me muito tempo pra filosofar, pensar na morte da bezerra e escrever abobrinhas, de diferentes tipos e tamanhos. O que antes fazia em segredo, agora publico e divido em uma versão mais ligth. E se as autoridades conseguirem censurar a minha escrita, enquanto a preguiça fizer parte de mim, o meu pensamento vai continuar fazendo grandes viagens...

domingo, 12 de junho de 2011

Em outra galáxia



No meu último sonho induzido, escolhi visitar um planeta com vida semelhante ao nosso. Antes de ir, dei uma estudada.

Descobri que os seres vivos que lá habitam, apesar de diferentes, têm muito em comum com a gente. Lá, o ser que mais se aproxima da nossa espécie é chamado de ser humano. A comunicação entre uma espécie e outra, quando existe, é muito rudimentar. O humano foi o que desenvolveu a linguagem mais complexa, criando até formas de registrá-la, quebrando algumas barreiras do tempo e do espaço, mas não se comunicam com outros seres. Aliás, até a comunicação entre eles é truncada, em especial, entre machos e fêmeas. Além disso, eles ainda se comunicam oralmente.

Os humanos acham que são os seres mais evoluídos, que estão sozinhos no espaço, e chamam de "natureza" tudo o que não é obra deles e de "deus" tudo o que não conseguem compreender ou controlar. Há algum tempo, eles vêm tentando criar formas de vida cada vez mais independente dessa "natureza", criando suas tecnologias, sem considerar o prejuízo a outras espécies. A consequência disso já começou a preocupá-los e, por isso, alguns estão tentando descobrir algum planeta para o qual possam fugir, enquanto outros tentam ensinar aos filhotes que o que estão fazendo não está certo.

As habitações dos humanos são diversificadas: podem morar em casas, apartamentos, ocas, iglus, barracas, etc. E alguns não têm moradia nenhuma. Eles são animais muito territorialistas e dividiram o planeta em vários pedaços. Algumas divisões são chamadas de país, outras de cidade.


Bom, depois da pesquisa, optei por ir a uma cidade localizada no país "Brasil". Neste, gostam muito de "festa", "feriado" e "futebol", mas ainda não sei do que se trata. Relatarei agora um pouquinho da experiência que tive através do sonho induzido.

Sonhei que estava encerrada numa caixa de cimento, que ficava entre muitas outras caixas. Depois entrei em uma máquina, muito rudimentar, que criaram pra atravessar e sair dessas caixas. Do lado de fora, havia muitos humanos concentrados num lugar, alguns sentados, outros em pé, todos bebendo um líquido amarelo, olhando, hipnotizados, um retângulo com muitos deles dentro. Nesse retângulo, eles estavam em miniatura e corriam de um lado pro outro, pisando em seus conterrâneos verdes, empurrando com seus pés um objeto redondo bem pequenininho. Fiquei muito assustada com o barulho que vinha de tudo quanto é lugar. Vez ou outra o barulho piorava, era quando uns ficavam furiosos, enquanto outros começavam a pular e se agarrar. Em alguns momentos, o estado hipnótico parecia se aprofundar; era uma fase de curta duração e, quando terminava, os humanos reagiam de maneira imprevisível, mas sempre mexiam descontroladamente os braços. Das caixas de cimento, alguns emitiam bem alto palavras que não consegui traduzir: "Gol!", "Caralho!" e "Mengo!" eram as mais comuns. Quando as miniaturas deixaram o retângulo, alguns humanos foram embora chorando ou raivosos, e os que ficaram continuaram a fazer barulho, muito barulho, e a ingerir o tal líquido amarelo. Um dos sons foi tão alto e ensurdecedor, que acabei acordando sem querer.


Infelizmente, o sonho foi muito rápido e não deu pra aprender mais nada sobre o planeta. Da próxima vez, vou tentar ir prum país menos barulhento.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

E é tão bom não ser divina...


"Alegria do pecado às vezes toma conta de mim. E é tão bom não ser divina. (...) E eu gosto de estar na Terra cada vez mais. (...) Perfeição demais me agita os instintos. Quem se diz muito perfeito, na certa, encontrou um jeito insosso, pra não ser de carne e osso..."

Ontem me reuni com amigas muito queridas. Não deu pra botar todo o papo em dia, nem sobrou tempo pra falar da vida alheia, mas nossa pauta foi bem ampla. Falamos da falta que a gente sente uma da outra e de temas corriqueiros como a correria da vida, trabalho, dinheiro, namorados, filhos e, pra variar um pouco, sobre rugas, cabelo, pele, estria, celulite e otras cositas afins.

Eis que me pergunto: será que um dia vamos aceitar que somos feitas de carne, osso, e também de pêlos, veias, poros, etc.? Até quando vamos continuar na onda "photoshop", tentando limpar nossas imperfeições tão, mas tão inevitáveis?

Queremos esconder que somos humanas? Que somos perecíveis? Pra quê, se não podemos esconder por muito tempo? Já inventamos altas gambiarras: tinta pro cabelo branco, cêra pra depilar, laser, aplicações, massagens, peeling, botox... Pra quê? É como enxugar gelo!

Ok, podemos driblar algumas de nossas humanidades por algum tempo, mas a Medicina ainda não inventou nada, nem paliativos, contra o passar dos anos, nem contra a morte. Infelizmente, nós ainda não demos conta desse probleminha.

Enfim, tem gente que prefere morrer jovem e bonita. Mas aposto que existe alguma mulher que descobriu outra forma de lidar com isso...

Ficar mais esperta com a indústria da beleza, que vive às nossas custas, enquanto estamos cada vez mais escravas e neuróticas, seria talvez um bom começo. Ter auto-estima e cuidar da saúde, independente do padrão de beleza imposto pela tal indústria (através da TV, revistas, propagandas...) talvez seja uma boa idéia também.

De qualquer forma, se existe mulher que não tá nem aí pra esse tema tão recorrente nas rodas femininas, a Ciência deve estudá-la. Porque, assim como o osso, a carne e a pele porosa, parece que a insatisfação também faz parte da nossa natureza. Se a evolução não tivesse arrancado nossos pêlos, não ligaríamos pras varizes e estrias, mas com certeza inventaríamos outros problemas...

sábado, 28 de maio de 2011

Pela lente das metáforas




Conforme a gente tenta entender a vida, a gente aprende sobre ela. Esse é um processo subjetivo, para cada um, acontece de um jeito. O que fica na nossa mente não é a realidade exata, espelhada, mas uma representação dela, uma interpretação. A gente entende e explica (teoriza) a vida através das metáforas.

À medida que a gente aprende, as metáforas vão se modificando. Podemos complexificá-las ou jogá-las fora e trocá-las por outras bem diferentes.

Isso acontece no nosso dia-a-dia e também quando fazemos "ciência".

A idéia do átomo, do sistema solar, do corpo humano, da mente, já foi explicada de diversas formas, através de diferentes metáforas. A mente, por exemplo, pode ser uma "caixa preta", um computador, uma rede...

Isso ocorre também, óbvio, quando tentamos explicar a nossa existência. Quando tentamos responder àquelas velhas e persistentes perguntas: afinal, por que estamos aqui? Para onde vamos depois de morrer? Vamos mesmo ou simplesmente acabamos de vez? Qual a grande lei que rege tudo isso? Como tudo começou?

As respostas, as mais diversas: O caos, o acaso, Deus Pai, Pacha Mama, Deuses, Deusas, orixás, céu e inferno, anjos, santos, espíritos, "nosso lar", energia, adão e eva, o big bang...

O que é a vida? Uma brincadeira, um jogo, uma escola, um teste, uma viagem, uma passagem...

De metáfora em metáfora, podemos ir nos aproximando do que pode ser, sem nunca chegarmos, pois metáfora é sempre metáfora.


quinta-feira, 28 de abril de 2011

Preconceito pode causar câncer



Desconfio de tudo que "está escrito". Afinal, os escritores somos nós e não somos nem um pouco confiáveis. Não porque mentimos ou estamos mal intencionados, mas porque não dá pra sermos neutros, imparciais. Toda escrita, assim como os homens, está situada num tempo, num lugar, num grupo, e traz junto essas marcas, quer seja ela a Bíblia, o Aurélio, uma bula, o jornal "O Globo", "A Riqueza das Nações", "O Manifesto Comunista" ou um artigo de Cambridge. De qualquer forma, para mim não há uma verdade absoluta, e, sim, verdades parciais. (Mas assim fica difícil chegarmos num acordo!!!) Alguma teoria filosófica/religiosa/ política/ científica está mais certa que a outra? Ou estão todas igualmente certas? Penso que não, mas quem vai dizer qual está mais certa? Não sei. Só acho que temos que desconfiar das verdades absolutas, inclusive das nossas, ficando mais abertos e flexíveis para aprender, cada vez mais, com todos os pontos de vista. Quem sabe assim um dia a gente se entende um pouco mais? E o que mesmo a gente ganha sendo sectários? Cultivamos, pelo menos, nosso sedentarismo mental, que dever ser, no mínimo, cancerígeno.


Deus: ainda tenho minhas dúvidas.


Tenho ainda muitas dúvidas (algumas já batidas) quanto a algumas idéias sobre Deus. Desculpem minha ignorância, mas quero também usufruir da minha liberdade de expressão (como os religiosos fazem) e, quem sabe, aprender algo sobre Deus. Seguem algumas delas...

1. Somos todos filhos de Deus. Não temos mãe, certo? Será que Freud se lembrou disso?

2. E Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. O narcisismo puxamos dele, né? (Mas por que, meu Deus? Tanta coisa boa pra puxar!..)

3. Deus criou o mundo e descansou. Será que até a preguiça herdamos do pai? E Deus pode pecar? Acho que sim. Não faz muito tempo, descobri que os pais também pecam. Mas quem julgará Deus?

4. Deus é um só. E dá pra dar conta de tudo isso sozinho? Pelo visto não.

5. Deus não tem pai, nem mãe, nem irmãos, não tem família, namorada ou amigos... ele é sozinho, tadinho. Será por isso que tem andado furioso nesses últimos 2 mil anos?

6. Deus é onipotente, onisciente e onipresente. Será uma das causas do fim do mundo? Que eu saiba, a administração centralizada e vertical está meio fora de moda. Talvez ele esteja precisando de um consultor...

7. Mas Ele pode tudo mesmo? Então por que é que a gente pede tanto, tanto (às vezes até recorremos a uns bons contatos) e ele parece ser tão pouco eficiente?

8. Deus escreve certo por linhas tortas. Faz parte de seu método pedagógico?

9. Deus é justo. Qual é a justiça de Deus? Se a gente não entende sua justiça, qual o consolo em saber que ele é justo? Se a gente entende, então por que não tentamos copiá-la? Se já tentamos copiar e sua justiça é próxima da nossa, isso me assusta...

10. Deus é bom. Então, por que temer a Deus? Por que pedir piedade ("Senhor, tende piedade de nós") a ele ?

11. Se Deus é por nós, quem será contra nós? Quem? No mínimo, algo mais poderoso que ele.

12. A maldade está nos homens. Será que Deus é um pai que sabe que errou?

13. Por que costumamos dizer que as obras boas são de Deus, enquanto que as ruins (fatalidades, desgraças, maldades) são de qualquer um menos dele? Foi Deus quem disse isso? Se foi, será que ele quis tirar o dele da reta?

14. Deus nos deu o livre arbítrio, certo? Parece que ganhamos liberdade sem a maturidade necessária. Seria Deus um pai muderno? Mas nós já estamos vendo o que acontece com as pessoas que crescem sem limites ou orientação... E se o método pedagógico de Deus estiver ultrapassado? Será que ele pode revê-lo? E se um dia resolve mudá-lo? Dá pra dar um "update" na Bíblia?

15. Deus nos dá sinais de sua existência... Afinal, não existem coincidências ou nada é por acaso. Mas não serão as coincidências apenas construções da nossa mente tentando dar sentido a essa bagunça que é a vida? Tanto é que quando mais precisamos de explicações, mais percebemos as coincidências ou os sinais divinos. Coincidência? Ou apenas um sinal do que podem ser os sinais?

16. Por fim, por que será que Deus é tão parecido com a gente? Será que não é ele que é feito à nossa imagem e semelhança? Acreditamos em Deus por conveniência? É isso mesmo? Se sim, somos mesmo muito pequenos... Grande é Deus, graças a Deus!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Ciência ética


Existe um pensamento comum de que nada poderia barrar o “progresso científico”. Chama-se de atraso quando tentamos ponderar as invençoes tecnológicas, refletindo sobre suas consequências na sociedade/ natureza. Para mim, esse é o pensamento atrasado.

Somos responsáveis por tudo que criamos, mas queremos passar a nossa responsabilidade para o grande deus, o “Progresso”. Tudo em nome dele. Onde chegamos com essa lógica? Muitos poderao dizer: tudo tem seu preço, os fins justificam os meios. Será? Será mesmo que o caminho que a gente percorreu foi uma etapa necessária para um estado mais evoluído? Evoluído em que sentido?

A nossa capacidade de criar nao é boa em si. Brincar de criar, seja para trazer a justiça, ou para trazer injustiça, para melhorar a qualidade de vida, ou para matar, é igualmente legítimo? Pensar assim é pensar de forma completamente irresponsável e burra.

A ciência deve servir à Humanidade. Ou seja, ela nao está acima dos homens, e nao deve ser pensada em prol de alguns em detrimento de outros. E, lógico, uma ciência ética é também uma ciência ecológica, pois os homens sao parte da natureza.

Autotélica?


Nesse semestre aprendi pelo menos duas palavrinhas novas: vicissitude e autotélico. A primeira parece ser algo ruim, mas nem é. Significa apenas mudança. E a segunda...

A brincadeira, por exemplo, tem um caráter autotélico. Ou seja, nao se brinca para alcançar algo depois, brinca-se por brincar. A brincadeira tem um fim em si mesma, ao contrário de uma tarefa da escola, que é feita para se alcançar algo, que a criança muitas vezes nem imagina o quê.

Pensando nisso, descobri outra coisa que, para mim, tem um caráter autotélico: a vida. Ela nao é um meio, pelo qual se “paga” pela “vida anterior” ou no qual preparamos as nossas “próximas vidas” ou nosso “lugar no paraíso”. Nao é consequência, nem causa. Vivemos por viver, como na brincadeira.

Quando comparo a vida com a brincadeira, nao quero dizer que tem alguém jogando com a gente (um Deus) e que somos apenas peças. Quem brinca somos nós, apenas por brincar. Brincando, em alguns momentos perdemos, outros ganhamos, choramos, nos divertimos, fazemos parcerias, seguimos regras, assim como as desrespeitamos... Na brincadeira, uns saem para outros entrarem.

E o jogo continua...

(Junho de 2009)