sábado, 6 de junho de 2020

Imaginação e criatividade éticas



Nina, minha filha de quase 5 anos, adora um “e se…”. “E se todos os personagens de todos os desenhos e filmes aparecessem aqui na nossa casa?” “E se a casa fosse toda feita de doce, que parte da casa você ia comer?” “E se eu fosse filha do vovô e vovó, quem iam ser meus avós?” “E se…”

Testar possibilidades usando a imaginação é uma capacidade que deveríamos desenvolver nos nossos filhos e na gente mesmo…

E se o nosso mundo fosse justo? E se cuidássemos uns dos outros? E se tivesse trabalho para todos e todos pudessem trabalhar menos e ter mais tempo para curtir, brincar, estar com o outro? E se não houvesse fronteiras entre países? E se os povos cooperassem uns com os outros ao invés de tentarem dominar, explorar e competir? E se a vida de cada ser humano tivesse o mesmo valor? E se todos pudessem ter uma terra pra plantar e uma casa pra morar? E se as pessoas e os povos conseguissem resolver os seus conflitos com respeito? E se as pessoas não tentassem impor a sua verdade ao outro? E se o ser humano se visse como parte da natureza? E se não houvesse pobreza? E se não houvesse ganância? Essas possibilidades são revolucionárias, mas estão muito dentro da caixinha ainda, porque não aprendi a usar a minha imaginação...  

E se não houvesse nem família nem Estado, nem nação, apenas comunidades? E se cada ser humano que nascesse fosse responsabilidade da comunidade? E se cada idoso fosse cuidado pela comunidade? E se não existisse mais dinheiro e as pessoas e as comunidades trocassem serviços e produtos? Mas essas possibilidades ainda continuam dentro da caixinha… Quais ideias poderíamos pegar da época anterior ao capitalismo? Como poderíamos construir um novo mundo com base na solidariedade e reciprocidade? Precisamos aprender uns com os outros (com as diferentes culturas) e usar a nossa imaginação e criatividade, para ir construindo essas alternativas. 

Precisamos mesmo aprender a usar a nossa imaginação e criatividade, mas de nada adiantará se não aprendermos também a ser éticos.

Jun 2020.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

La vida nos da sorpresas...


"la vida te da sorpresas, sorpresas te da la vida, ay, dios"

Não sei o que acontece, mas as "sorpresas" parecem ter virado uma constante nos últimos anos...

Em abril de 2015, grávida, no segundo trimestre da gestação, após passar um feriado prolongado com meus pais e irmãos na casa de Itaipuaçu, descubro, já em casa, numa segunda pela manhã, que meus pais haviam levado meu irmão ao hospital durante a madrugada e que ele teria que tirar os seus dentes de cima. Meu irmão ficaria sem o seu sorriso característico e eu não poderia visitá-lo no hospital. Após dias internado, pude, finalmente, visitá-lo no domingo do dia das mães. Ele estava bem, já no quarto, e minha vontade era fugir com ele de lá. Em dois, três dias, ele piorou e morreu de choque séptico.

Durante o nosso luto, nos distraímos fazendo o enxoval e o chá de bebê da minha filha e, nesse período, descobri uma íngua na axila e um caroço na mama esquerda. O médico me disse que era comum na gestação, mas só por desencargo, pediu uma ultra, que fui fazer apenas quando examinar o "caroço" tornou-se urgente, no final da gravidez. Lá fui eu sozinha de ônibus, barrigudona, fazer uma ultra na Barra da Tijuca, que era onde tinha data disponível... E lá minha vida já começou a ficar um tanto diferente... 

Resumindo bem a história, na semana seguinte, num dia descobri que estava mesmo com câncer de mama e, no outro, a Nina teve que nascer por cesárea. E após algumas buscas e consultas médicas, chegamos a conclusão que eu faria quimioterapia e cirurgia, mas que até o plano liberar o tratamento, poderia ter o gostinho de amamentar minha filha. Saindo do hospital, tive que ir morar com meus pais e tudo aconteceu bem diferente dos tantos planos feitos durante a gestação. Nesse período, precisei ficar de licença médica no trabalho e pude curtir bastante minha filha, apesar das dificuldades inesperadas. Foi na casa dos meus pais, nesse momento caótico e intenso da minha vida, em que ouvi o barulho das panelas e acompanhei, sofrendo, o impeachment da Dilma. 

Em janeiro de 2017, voltamos para nossa casa, Nina entrou para a escola, eu voltei a trabalhar e no final do ano passei para o mestrado em direito na UFRJ, que começaria no ano seguinte. As coisas estavam caminhando e eu tentando voltar aos eixos, até que chegou 2018 e o inimaginável aconteceu... Bolsonaro não apenas se candidatou, como foi eleito, depois de muitas brigas, decepções e sofrimento.

2019 foi o ano que se arrastou... Era o Bolsonaro que continuava lá e se superando a cada dia, e minha dissertação que não andava. Ao final do ano, tive que procurar uma nova casa às pressas e não consegui terminar o mestrado antes das férias escolares da Nina, como idealizado. Bati muita cabeça com esse trabalho nesse período, de dezembro a fevereiro. E quando ela voltou às aulas e eu pensei que conseguiria por fim terminar a dissertação, que já estava me deixando surtada, e que eu teria um ano de alívio e comemorações (incluindo os 5 anos sem recidiva do câncer), tivemos a surpresa ainda mais infeliz que a infeliz surpresa de 2018: a pandemia do COVID-19 (e ainda no "desgoverno" do você sabe quem)! 

Com a quarentena, Nina fica sem escola por tempo indeterminado e as atividades da UFRJ também são suspensas sabe-se lá até quando. Com a dissertação em mente e sem saber a dimensão que tomaria tudo, fizemos nossas malas e fomos (eu, Nina, Nollan e Vanina, que não pôde voltar para o Peru) para a casa dos meus pais em Itaipuaçu, quase cinco anos depois daquele feriadão de abril de 2015.

O clima aqui é quase de "fim do mundo", nos isolando totalmente, estocando comida. Meu pai, considerando as piores previsões, pede que todos saibamos fazer tudo na casa e estamos tentando dividir tarefas, além dos cuidados com a Nina.

Estou me lembrando muito do período em que comecei o tratamento do câncer na casa dos meus pais, tendo que respirar fundo e tentando não pensar no futuro e nos piores cenários. Ainda tenho que tratar o câncer no Rio ou em Niterói e talvez tenha que sair do isolamento e não sei se poderemos voltar. Aqui está muito difícil de terminar minha dissertação, com o estresse e angústia do momento e outras questões que me dificultam a concentração. 

O COVID-19 parece trazer ainda muitas surpresas para esse ano para todos, do país e do mundo... Espero, com todo estoque de otimismo que me resta, que junto com as surpresas lamentáveis que nem quero pensar, também traga surpresas alegres e revolucionárias (no bom sentido).

Pelo menos para a Nina o coronavírus tem sido algo positivo, pois está na "casa da Chiquita e do Bacana", que ela tanto gosta, com toda família, sem ir para a escola, fez uma amiga nova (a Maria Isabel, de 10 anos), que passa o dia com ela, e, hoje, dia primeiro de abril, aprendeu a nadar e está toda feliz! 💗