quarta-feira, 19 de março de 2025

Tempo e beleza na (minha) maternidade


Tem hora que a gente vê o mundo mais bonito. Algumas vezes, substâncias externas, como o álcool, dão certo colorido à vida. Outras vezes, substâncias internas, como os hormônios, podem nos fazer ver poesia no cotidiano. Para nós, mulheres, isso pode acontecer, por exemplo, em algum momento do ciclo menstrual, da gestação ou quando estamos cuidando do nosso bebê. Falo tudo isso sem compromisso científico ou estatístico, mas com base apenas na minha experiência e conjecturas bem próprias e circunstanciais.

Eu fiquei "gestante" novamente, depois de quase dez anos. Antes com 30, agora com 40. E novamente pari, desta vez, sem cirurgia, nem anestesia. E, desta vez, estou cuidando da minha bebê na minha casa (e, não, na casa dos meus pais) e sem tratamento do câncer. Estou de licença maternidade, dedicando-me, quase que integralmente, aos cuidados da Yara e da Nina.

De cíclico, o tempo pausou no meu corpo para a construção de uma bebê e, agora, que estou cuidando dela, ele passa devagar. Esse tempo lento como uma preguiça, "não produtivo" e um tanto repetitivo, junto a um estado permanente de sonolência, destrabelharam de vez com a minha memória, mas estão me permitindo pensar um pouco fora da minha caixinha.

Passeando sem pressa alguma pela minha rua, olhando pro rostinho da Yara deitada no carrinho, vim pensando e construindo umas ideias.

Na rua, com a bebê, as pessoas tem interagido comigo de forma tão amorosa e gentil. Muitos se derretem e não resistem. Uma moça, uma vez, não se aguentou e, ao ver os pezinhos da Yara de fora, no sling, pediu permissão para tocá-los. Me lembrei também da forma cuidadosa como me trataram durante a gestação. Seria tão bom que nos tratássemos assim sempre, pensei. Seria tão bom, pelo menos, que todas as grávidas e mães pudessem se sentir mais cuidadas.

Por enquanto, as pessoas estão só gentis e não têm dado "pitacos". Teve apenas uma vez que uma senhora, no restaurante, falou pra levarmos a bebê (que estava com apenas 2 meses) pra casa. Já era noite e numa sexta de carnaval no Rio de Janeiro. Causou certo incômodo e logo a culpa. A senhora não sabia do contexto, que eu havia passado a semana toda encerrada em casa, que estava pela primeira vez no ano buscando a minha mais velha na escola, que havia escolhido um lugar perto da porta, quando o restaurante ainda estava vazio, e que já estávamos esperando o carro para irmos embora.

Eu até entendo que as pessoas queiram julgar,  dar palpites e conselhos. O conselho mais recorrente é o "aproveite bastante que passa rápido!". Parece que o bebê gera uma certa nostalgia em alguns (geralmente mães) ou faz com que as pessoas acessem um lugar de sabedoria. De repente, acessam o imaginário da sábia ansiã e se sentem importantes. Então, creio que seja menos sobre mim e minha bebê e mais sobre essas pessoas, e o estado de embriaguez materno em que me encontro permite que eu veja beleza até nisso! O contato com um bebê pode transportar as pessoas para um sentimento de ternura e para sua própria experiência com o cuidado.

Em tal embriaguez, estado para o qual eu sou transportada, fico mais emotiva, mais sensível. E acho que todo o afeto, com toda química que gera em mim, trazem, vez ou outra, além de emoção e beleza, algum sentido e algo de esperança para meus lentos e sonolentos dias.